Pages

O Vale dos Amputados

Eu estudava numa faculdade que ficava em cima de um morro, estava para me formar e precisava entregar o último trabalho para um professor estranho e meio maluquinho. O laboratório desse professor ficava no subsolo da faculdade, na parte dos fundos e apesar do calor que fazia lá fora, esses túneis eram gelados e levemente úmidos.

O subsolo era muito escuro e vazio, andei muito, me embrenhando cada vez mais para dentro dos labirintos da universidade, até que achei o tal laboratório.
O professor estava lá, sozinho, mexendo em seus tubos de ensaio, provavelmente fazendo alguma experiência.
Ele me disse para entrar na porta que estava atrás dele e deixar o trabalho em sua mesa, pois se eu deixasse no laboratório ele poderia perder o trabalho.

Entrei, imaginando que atrás da porta estaria um escritório. Para minha surpresa, quando abri a porta veio uma luz muito forte, me cegando. Quando finalmente consegui enxergar, percebi que era o sol: eu estava atrás do morro que comportava a universidade. Atrás de mim a porta fora fechada e lá estava eu, com meu trabalho embaixo dos braços, em cima de uma montanha de pedras.

Bati na porta desesperadamente, ninguém parecia me ouvir ou se importar em abrir a porta. Ao longo do edifício não havia mais nenhuma porta, e percebi que teria que descer o morro e tentar dar a volta pela estrada.
Desci com muito cuidado, pois a descida era ingreme e as pedras pontiagudas deixavam o caminho perigoso.

Depois de muito esforço, terminei a descida e cheguei num vale. Lá, comecei a ver pessoas sentadas no chão e fui até elas.
Eram pessoas sem pernas e sem braços, algumas com os cotocos recém enfaixados e até com marcas de sangue.

Pude reconhecer um ou outro como alunos do mesmo ano que eu e alguns veteranos. Perguntei o que acontecia, e um jovem me respondeu:
"O professor é um cientista louco! Ele faz os alunos virem até ele, depois nos prende aqui e começa a caçada. Quando ele consegue nos alcançar, nos amputa e usa nossos membros para seus experimentos malucos! Por fim, nos deixa aqui sem possibilidade de fugir, já que a subida é muito díficil e nós, sem braços nem pernas, não temos a menor chance de escapar.
De vez em quando ele leva alguns de nós para aquele barracão e faz experimentos conosco. Alguns não voltam com vida.
Para sobrevivermos, ele deixa comida e remédios em locais estratégicos que podemos alcançar e passamos a viver aqui, nesse lugar que chamamos de o Vale dos Amputados."

Foi aí que entendi, ele sempre pega alunos que estão acabando o curso, para não ter perigo de ser procurados, já que não são mais alunos da faculdade.
Não vou permitir que façam isso comigo e começo a correr, procurando uma saída.
Então, do lugar onde estou, vejo que uma espécie de máquina está sobrevoando o vale. Ele não voa alto, e sim baixo o suficiente para "caçar".

Resolvo correr até o barracão, já que era o único local com teto, ele não poderia me pegar pelo ar. Entro e ali vejo meu maior pesadelo: uma infinidade de braços e pernas, de todos os tamanhos, cores e tipos, dentro de containers de vidro com líquidos das mais variadas luminiscencias envolvendo aqueles pedaços inertes de carne humana.
Procuro algo para me defender, e encontro uma serra cirúrgica - instrumento provavelmente usado para cortar o corpo dos alunos.
Ela está ligada na tomada e funcionando, me posto ao lado da única porta, agachada, e espero. Consigo ouvir o som vindo de fora, da máquina voadora pousando e sendo desligada.
Ouço passos. Tenho apenas um adversário, o professor.

Ele abre a porta e assim que coloca a primeira perna para dentro do galpão, uso a serra para cortar sua perna fora.
Tem sangue por todo lado agora, o jaleco branco do professor agora se tornou rubro. Ele atira na minha direção uma pistola com tranquilizante, por sorte ele erra.
Não espero que ele tente novamente me acertar e corto seu braço fora.
Eu poderia parar por aí, pois provavelmente ele morrerá por perda de sangue. Mas depois de tudo que vi, aquilo não será o suficiente.
Eu termino de cortar sua outra perna e seu outro braço. E enquanto o professor se estrebucha, inofensivo no chão, vou até o final do galpão.

Ali havia uma espécie de fornalha, com fogo crepitando. Pego um instrumento de metal enfiado no fogo e levo até o professor. Uso esse objeto para cauterizar suas feridas e assim estancar a perda do sangue.
Nesse instante ele sai do desmaio que se encontrava e acorda urrando de dor.
Quando termino, devolvo o equipamento de onde tirei, e tento levanta-lo.

É incrível como um homem adulto fica leve sem os membros. Consigo carrega-lo até uma maca hospitalar que há no canto do galpão. Coloco-o ali e procuro pelos remédios... faço-o tomar antibióticos e remédios para dor.
Por fim, procuro em seus bolsos a chave para sair daquele vale infernal.
Com a chave em mãos, me despeço do professor:
"Já que você condenou tanta gente a viver amputado, fiz questão de deixa-lo vivo.
Agora você estará preso a uma cadeira de rodas, para sempre necessitando da ajuda de outros para fazer as coisas mais básicas."
Então, jogo o trabalho que fui entregar na fornalha, e observo as folhas virarem cinzas.
"Afinal, não consegui entregar o trabalho. Mas tudo bem, espero te ver no próximo semestre". Fim.

0 comentários:

Postar um comentário

Comente, mostre que você também sonha comigo.