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Não preciso mais ir pra escola

Eu estava em casa e precisava chegar na escola para ter aula, mas por algum motivo eu não conseguia.
Aquilo ia me dando uma angustia, eu ficava desesperada, achando que nada ia dar certo, porque eu precisava ir pra aula.
Então, uma sensação incrível de relaxamento toma conta de mim, e eu percebo que não preciso ir pra aula.
Eu penso "eu não preciso ir, já fechei todas as matérias, não tenho muitas faltas, se eu não for hoje tudo bem, não vou me prejudicar". Fim

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O mais entranho desse sonho é porque era um sonho recorrente que eu tinha, esse de que eu precisava chegar na escola e não conseguia, ou eu estava na aula e pensava que não conseguiria passar de ano.

Eu sofri com isso de verdade, tive muita dificuldade para me formar no colegial, eu passava por altas angustias em relação a isso. Por um lado, meus pais me falavam que se eu repetisse, eles iam me tirar da escola.
Por outro, eu realmente me esforçava naquilo que eu não era boa, e muitas vezes não conseguia tirar nota.
E por mais um lado, eu odiava perder parte da minha vida assistindo aula, e sempre que podia eu cabulava aula e ficava zoando mesmo.

Foi um sacrifício muito grande que fiz para conseguir me formar. O dia que eu peguei o diploma, tive uma sensação incrível... eu nem acreditava que tinha um diploma!
Mas mesmo assim, esse sonho me perseguiu por todos esses anos! Faz tipo 8 anos que eu terminei a escola e ainda tinha esses sonhos!

Recentemente eu inventei de fazer um técnico, já que eu nunca estudei nada, só tenho o ensino médio.
Mesmo sendo concursada, sentia a necessidade de ter uma "profissão", mesmo que nunca use na vida.

Daí fiz o técnico em contabilidade, e a sensação de que não ia conseguir terminar era muito grande, apesar de não ter tido dificuldade real nas matérias.
Quando eu consegui terminar, foi um alívio enorme.
Hoje sou técnica em contabilidade, tenho inclusive inscrição no CRC (conselho regional de contabilidade) com direito a carteirinha funcional e tudo, e como que para coroar essa nova fase, tive esse sonho.

Agora estou fazendo faculdade a distancia, não tenho mais medo! :)

Expedição para salvar pessoas num ataque de zumbi

Era um mundo dominado por zumbis.
Eles são lerdos, não correm, não são muito selvagens.
Porém, fedem e são nojentos. E tem aquele brilho no olho, da dó, parecem vivos.

Eu não gosto do acampamento que os humanos remanescentes fizeram. Me sinto mal lá, tentando viver uma vida que não existe mais, enquanto pode ter gente nas cidades, precisando ser resgatadas.

Além disso, não tenho medo dos zumbis. Eles são estúpidos o suficiente para você passar correndo perto deles, e nada como uma paulada na cabeça para que parem de se mexer. É só tomar cuidado, usar roupas compridas e grossas para não ser arranhado e evitar entrar no território deles a noite, porque não temos mais eletricidade.

Minhas incursões na cidade também servem para pegar remédios, mantimentos, suprimentos em geral. Distribuo entre os que precisam, nunca reconheci a liderença do acampamento, que como esperado é corrupta e pouco me ajuda.

Vou sempre sozinha, tenho dificuldade em confiar nas pessoas e não gosto de carregar peso morto.
Estou andando de moto por uma rua, eles me vêem, andam na minha direção, abrem a boca e balbuciam sons sem sentido.
Enquanto andam se arrastando por aí, dá para ver que escorre um líquido pegajoso deles, um tipo de chorume.

Há pouco tempo encontrei uma loja de armas, coisa rara num país onde arma é praticamente proibida pro cidadão comum. Existem poucas armas no acampamento, e ficam na mão de poucos também. Nunca levei as armas que achei pra lá, tenho meu próprio esconderijo... independente de quem tiver as armas, quanto menos melhor.
Antes de achá-las, eu estourava a cabeça dos zumbis com pedaços de pau cheios de prego ou com um velho taco de baseball que tinha em casa (esse foi o que salvou minha vida quando o surto começou).

Agora com armas e munição, tenho treinado minha pontaria. As vezes atiro neles por diversão. Já me peguei na curiosidade de olhar o corpo deles, apesar do odor repugnante: suas feridas recentes tem pus, e as mais antigas já estão carcomidas pela gangrena.

Percebo em volta de um prédio que há lixo recente, latas e garrafas, até papel higiênico. Provavelmente jogados de uma janela.
Resolvo que vou entrar no prédio, se tem gente refugiada lá, mais cedo ou mais tarde vão ficar sem comida e vão precisar sair. Melhor que saiam comigo.

É um prédio único, sem portaria. Chuto a porta na fechadura até que ela abra, está escuro lá dentro, o máximo que consigo enxergar é da luz do sol que vem de fora.
Na rua não tem ninguém, deixo a porta aberta para atrair quaisquer criaturas que houver lá dentro.
Espero.
Sai um homem, não consigo definir se é um homem negro ou se a cor se deve a sua pele estar em carne viva. Ele se movimenta muito devagar e eu espero mais um pouco, porque se atirar nele na porta do prédio, vou ter que mover o corpo pra poder entrar e não estou a fim de sujar minha roupa hoje.

Ele sai, atrás vem mais um... ótimo, enfilerem-se para o abate.
Atiro em um, atiro no outro.
Espero mais um pouco, aparentemente não vai mais sair ninguém.
Entro com cuidado, está vazio. No andar térreo não tem apartamentos, subo pelas escadas para o próximo andar. Nos corredores não tem zumbis, o cheiro está até tolerável.

São dois apartamentos por andar. O primeiro deles está com a porta semi aberta, só fechado com aqueles trinquinhos de corrente na porta. Bato devagar na porta, mesmo sabendo que não vou encontrar boa coisa ali.
Vem uma mão de mulher pra fora, unhas quebradas, sujas de sangue em volta, depois chega o rosto meio mutilado, a boca aberta babando um líquido escuro.
Dou um tiro na testa e acabo com o sofrimento da pobre coitada.

Puxo a maçaneta e fecho a porta. Com um spray, faço um X vermelho ali, que pode ser interpretado como "não entre - aqui só tem carniça", ou qualquer outra coisa pior.
Vou para a próxima porta, bato 2 vezes e me afasto numa distância segura.
Ouço uma voz gritando lá de dentro:
- Não tem pão velho.

Em meio a tanta desgraça, aquilo foi absurdamente engraçado. Uma pessoa viva, e com senso de humor. Ótimo, era o que eu precisava para salvar meu dia.
A porta se abre, um homem de uns 30 anos, cabelos claros totalmente despenteado e barba por fazer, fica parado entre a porta e o apartamento me olhando desacreditado.
Guardo a arma na cintura:
- Tem um acampamento com pessoas vivas, você não precisa mais ficar nesse Castelo dos Horrores.
- Obrigado, mas não obrigado.
E fecha a porta na minha cara.

Bato na porta de novo, agora com o revolver na mão.
Ele abre, agora com uma cara 50% entediada, 50% insana.
Novamente sou eu que tem que começar a conversa:
- O que você vai fazer quando acabar sua água e comida? Vai pedir uma xícara de farinha pra sua vizinha zumbi?
- Eu não me importo, aqui tenho minha família e quando não aguentar mais vou me entregar pra eles.
Ele escancara a porta e vejo várias pessoas sentadas nas cadeiras da mesa de jantar, presas por correntes. Estão todos cobertos de sangue, desgrenhados, roupas sujas. Há 3 adultos, e uma criança. Quando olho com atenção, a criança não tem lábios, parece que foram arrancados com os dentes, comidos.

O senhor entediado-insano se senta no sofá e começa a falar, mas não comigo.
- E então Beth, o que você acha da nossa convidada para o jantar?
Então ele faz uma voz de mulher e responde a si mesmo:
- Adorável, meu amor. Vou por mais água no feijão.
Agora com uma voz infantil e esganiçada:
- Papai, papai, posso mostrar pra ela minha boneca nova?

Aquilo é deprimente demais, e desse aí posso salvar o corpo, mas a mente já era.
Faço um favor para mim mesma e fecho a porta do apartamento, faço um X vermelho. Ele não vai durar muito tempo, aposto que será a sobremesa do jantar.

Subo mais um lance de escadas.
Um dos apartamentos desse andar nem tem mais porta, foi derrubada. Faço algum barulho e fico esperando. Ninguém.
Entro, está tudo revirado. Na pia tem restos de comida mofados, muitas moscas.
Desde que os zumbis apareceram todo lugar que se vai tem moscas, primeiro porque esse monte de defunto ambulante atrai inseto, segundo porque provavelmente a dedetização começou a vencer e ninguém está aqui para passar veneno de novo.

Saio e fecho a porta, não faço nenhum sinal nessa, está livre.
Na casa ao lado, nem vou bater... tem alguém - ou alguma coisa - se jogando na porta. É possível ouvir - tum - e algo que cai no chão. Arranha o chão para levantar - tum - o corpo bate na porta e cai no chão de novo.
X vermelho na porta. Próximo andar.

Duas portas fechadas.
Bato em uma, o buraco do olho mágico escurecesse.
Fico atenta, arma na mão.
A porta se abre, um homem de meia idade aparentemente saudável me vê, se assusta com o revólver e fecha a porta de novo.
Guardo a arma, bato de novo
- Guardei a arma, tá tudo bem, isso é só pra se proteger das criaturas.
O ritual se repete: o buraco do olho mágico escurecesse e a porta abre.
Vejo uma família, pai, mãe e 2 filhas, uma adolescente aparentando 15 anos e outra com cara de 9 anos.

Eles me convidam para entrar, aceito, parecem todos saudáveis.
- Você está perdida? Não temos muito, mas se você quiser ficar... - oferece o pai.
- Não, não... Há um acampamento. Tem comida, água, remédio. Se vocês quiserem ir, posso levá-los até lá.
- Mas como? Andar nessas ruas cheias de mortos é loucura! - diz a mãe.
- Tem uma van, não muito longe daqui. Usei recentamente para levar coisas para o acampamento. Dá para irmos todos pra lá, e ainda sobra espaço para para as malas, se quiserem levar alguma coisa

Toda vez que escolto alguém pro acampamento fico sentindo um pequeno arrependimento. Gosto do desafio e da emoção de desbravar a cidade sozinha, mas quando tem gente comigo, me sinto responsável por elas, e deixa de ser divertido.
Eles parecem boas pessoas, e o arrependimento quase foi embora, até que...

Eles me deram um pouco de refrigerante quente para beber enquanto arrumavam algumas malas. Roupas, sapatos e o resto do que tinham de comida.
Parecia uma família se arrumando para uma viagem para a praia. Ouvia a mãe dizendo para as filhas não levarem o que não fosse usar, a filha menor implorando para poder levar suas bonecas.
Alguma coisa já estava arrumada quando o pai veio falar comigo.

- Elas já estão terminando. Estou preocupado, como vamos correr carregando malas nessas ruas perigosas?
- Vocês não vão andar, vão ficar aqui enquanto eu busco a van. Estacionarei na porta do prédio, e só então vocês descem.
- Você vai sozinha? Por favor - começou a chorar - não nos abandone agora... Deixe-me ir com você. Não posso deixar que a única esperança que minhas filhas tem de sobreviver simplesmente saia pela porta. Vou junto.

Não gostei da idéia, nunca gosto, mas o homem chorava e não consegui dizer não.
Ele se despediu da família, e descemos juntos. No térreo, ele apontou para uma porta corta fogo, que além de fechada tinha algumas ripas de madeira ajudando a mantê-la fechada.
- Ali é a garagem do prédio, podemos pegar meu carro ao invés de nos colocar em risco na rua.
- Alguém fechou essa porta e teve o cuidado de colocar essas madeiras, você realmente acha uma boa idéia entrar aí?
Falei enquanto abri a porta para a rua. A luz do sol, o vento e a visão dos dois corpos no chão não fizeram bem para meu novo companheiro de jornada. Ele entrou em pânico, se jogou no chão em posição fetal e começou a se balançar devagar pra frente e pra trás.

Fechei a porta, me ajoelhei, toquei em seu ombro. Ele se acalmou um pouco, se sentou e olhou pra mim.
- Eu sei que é difícil, mas não tem problema, sobe lá e fica com sua família... eu volto em 5 minutos, ou menos. Estou acostumada a andar por essas ruas e já limpei o caminho quando cheguei. E se eu for sozinha, vou de moto, chego ainda mais rápido. Fica tranquilo.
Ele se acalmou, ficou de pé e concordou comigo. Mandei ele subir de volta para o apartamento e saí.

A rua estava deserta, peguei a moto e fui para o lugar que estava a van.
As grandes avenidas estavam apinhadas de carros bloqueando a passagem, todas as rotas possíveis era usando ruas de bairro, nisso a moto era uma grande facilitadora.
Tive que ter o cuidado de traçar mentalmente um caminho onde uma van conseguiria passar.

A viagem foi tranquila, alguns zumbis me viram mas nenhum conseguiu chegar perto.
Deixei a moto num canto, entrei na van. Poucos veículos ainda tinham bateria e combustível, e por isso eu não levava a van para o acampamento. Eu a deixava na rua para ninguém sumisse com ela. Afinal, mais difícil que achar uma agulha num palheiro, é achar uma certa agulha no meio de outras agulhas.

Cheguei com a van até o prédio, entrei e para minha surpresa a merda da porta da garagem estava aberta.
Muito bem, o senhor acaba de por sua família em perigo.
Voltei para a van e peguei uma lanterna que estava no porta luvas. Teria sido melhor para mim se tivesse simplesmente fechado a porta da garagem e levado as mulheres embora.
Com a luz da lanterna, pude ver o pai de família no chão, deitado, morto, e quatro ou cinco cidadãos do inferno se alimentando de suas vísceras, eles nem olharam para mim. Eu definitivamente podia ter passado sem essa.

Fechei a porta corta fogo. Fiz um X vermelho, subi.
Bati na porta, olho mágico, trinco, porta aberta.
- A van está lá embaixo. Vocês vão ter que se virar com as malas porque alguém tem que segurar o revólver.
- Cadê meu pai? - disse a garota adolescente.
- Lá embaixo, vamos logo. - De certa forma, não era mentira.

Fui a primeira a sair na rua, pedi que elas esperassem um pouco lá dentro.
Havia alguns mortos na outra esquina, andando de forma errante, calculei que até nós verem e andarem em nossa direção já teríamos saído dali.
Sem fazer muito barulho, abri a porta de trás onde se coloca as cargas, e a porta do passageiro.
Entrei no prédio e mandei que viessem rápido e sem fazer barulho, entrassem pelo compartimento de carga com as malas e fechassem a porta atrás de si.

Quando saímos, a mãe e a criança entraram, porém a adolescente olhou em volta e começou a gritar:
- Cadê meu pai?
Eu esperava que estaríamos já com o carro em movimento quando eu contasse a historinha que inventei de que o pai se sacrificou para que elas se salvassem. Mas não teve jeito.
- Entra no carro e eu te falo.
- Não! - ela gritava - Cadê meu pai? Onde você colocou ele?

Com tanto barulho, os zumbis nos viram e começaram a andar em nossa direção. A distância era de mais ou menos meio quarteirão, em geral eles eram lerdos, mas sempre tinha um ou outro que andava quase como uma pessoa normal e por isso não podíamos perder tempo.
Fechei a porta de trás da van, e puxando pela gola da camiseta, comecei a arrastar a menina pra dentro do carro pela porta do carona que estava aberta.

Ela começou a se debater e gritar:
- Está ali - apontando para onde os mortos estavam - Por que você quer largar ele aqui? Por que?
E saiu correndo na direção aos zumbis. Nessas horas eu penso que o mundo está de ponta cabeça, mas a seleção natural não falha.
Peguei a arma, atirei em um, ele caiu no chão. Fui atirar no outro, acabou as balas. Droga.
Não tinha tempo para recarregar e ter certeza de que não estaria colocando em perigo o que restou da família.

Entro no carro pela porta do carona, fecho, vou pro lado do motorista. Consigo ouvir a criança chorando, e a mãe tentando acalmá-la, mas também com o rosto cheio de lágrimas.
Dou partida, e assim que começo a andar, a menina encontra o primeiro zumbi.
Ela começa a chacoalhá-lo. Seria engraçado se não fosse trágico.
Outro a alcança, e nisso estou com a van em cima deles, paro do lado para puxá-la para dentro.

Quando vejo, já é tarde demais.
Ela está totalmente desvairada, mas tem alguns machucados no corpo. Ela foi contaminada.
Vou embora, a caminho do acampamento.
Algumas quadras depois, a mãe consegue sair do estado de choque e vem tirar satisfação comigo.

- Você acha que ela conseguiu?
- Conseguiu o quê?
- Lutar contra... aquelas coisas.
- Não, eu fui embora porque ela estava infectada.
- Não é possível, você precisa voltar.
- Você não vai querer que eu volte.
- Por favor, eu preciso! Eu não posso abandonar minha filha desse jeito.

Fiquei com pena. Parei a van, o lugar parecia seguro.
Recarreguei a arma enquanto a mãe e a filha se acomodavam no banco da frente junto comigo.
Achei estranho que ela não perguntou do marido, e comecei a falar... ela pôs os dedos nos lábios, indicando silêncio, e apontou para a criança. Entendi. Ela não quer traumatizar ainda mais a filha. Depois conversaremos de mulher para mulher, e ela conta para a menina o que achar adequado.

Manobrei o carro de volta, quando estavamos quase lá, já pude ver.
A menina não fora devorada, alguns tem essa sorte - ou azar - mas viram mais um desses canibais.
Ela andava devagar, arrastando um dos pés.
- Você quer mesmo ver?
- Sim.

Fui andando devagar, e parei do lado. Estavamos com os vidros fechados, era seguro.
Esse ser errante que outrora foi a filha da mulher que estava do meu lado, se virou para nós. Os olhos ainda estavam vívidos, mas não eram mais da adolescente que conheci no prédio, era de outra coisa.
Ela se jogou em direção ao vidro do carro, a criança começou a gritar.

Arranquei com o carro e partimos.
Quando chegamos no acampamento, ajudei a descarregar as malas.
Elas foram encaminhadas para uma triagem e ficariam em quarentena, procedimento de segurança padrão de todos que vêm de fora para lá. Depois seguiriam a vida.
Quando fui me despedir, a mulher finalmente perguntou sobre seu esposo.

- Nós fomos cercados, e ele acabou se usando de isca enquanto eu pegava a van para resgatar vocês. Ele fez de tudo para que fossem salvas.
- Tem certeza que foi isso que aconteceu?
- É assim que você vai lembrá-lo e passar a memória para sua filha.
Ela assentiu, mesmo que no fundo soubesse que eu tinha contado uma mentirinha. Ela bem sabia que era melhor assim.

Enquanto me virava para ir embora, ela gritou:
- Você salvou minha vida e não sei seu nome.
- Scarleth SlaysDead.

Fim.

Era uma vez algo real tao bom que parecia sonho

RIP Negao - 20/11/2003 / 08/11/2010

Um dia estava indo para casa quando vi numa lojinha pequena, 4 coelhos a venda.
Eram tao lindos, todo dia eu passava e ficava namorando os animaizinhos.
Comente com o Re, que na epoca era meu namorado ainda, e nos namoravamos so bichinhos juntos.
Num dia a tarde, ele me ligou falando pra eu encontra-lo na minha rua e disse: comprei um coelho pra vc!
E eu: mas cade o coelho?
Ele: Ta pago, mas vc tem que ir la escolher qual vc quer.

Havia 2 brancos, um mescladinho e um preto.
Tentei com os 2 brancos, nenhum me deu bola, o mescladinho fugiu de mim. E ai, quando olhei para o pretinho, me apaixonei. Ele olhou para mim e se jogou no me colo.
Daquele em dia em diante, eu tinha um coelho.

Ele ja teve muitos nomes... o dono da lojinha o chamava de Pelezinho. Por alguns minutos pensei em chama-lo de Pompom, porque o rabinho dele parecia um pompom.
Tentei nome de gente, mas meu pai so conseguia chama-lo de Negao. E assim ficou: meu coelho Negao.
De Negao, diversas variacoes: neguinho, neguti, negoelho, negrito, pretinho, pretao, pretudo, pretudinho, pretoncinho, entre muitos outros.
Tambem era chamado de Tutty, Tutty Frutty, ou Tutsie Frutsie.
E quando era bebe, chamavamos de Snapshot.

Ele me acompanhou por 7 longos anos, inclusive quando sai da casa dos meus pais. Morou comigo em Campinas, no Rio, em Macae. Ele viajava de onibus quando vinhamos para Sao Paulo, porque eu nao tinha coragem de deixa-lo sozinho.
Ele ia no meu colo no onibus, sempre muito fofinho.

Meu coelho vivia solto, e por isso era tranquilo. As vezes ele fazia xixi nas pernas das pessoas para marcar o territorio, ja que era macho.
Ele tambem me acompanhou quando minha mae morreu, ele me fazia companhia e lambia as lagrimas do meu rosto. Engracado como o Negao sempre sabia quando a gente tava triste.
Ele tinha um cortezinho em uma das orelhas, e sempre diziamos que se trocassem nosso coelho por outro, nos saberiamos! E que mesmo que ele tivesse misturado com mil coelhos pretos, no sempre saberiamos identificar o nosso.

Quando voltamos a morar em Sao Paulo, o Nego era o dono da casa. Pode escolher onde queria fazer as necessidades, mesmo sendo o pior lugar do mundo.
Sempre dava um jeito de burlar as regras que colocavamos, mas isso era divertido, a gente ia se adaptando com ele.
Foi nessa casa que ele envelheceu: parou de roer tudo que via pela frente, ficou mais calmo.
Sempre me seguia para o lugar que eu fosse, e quando chegava em casa, vinha da onde tivesse para me cumprimentar: andava em circulos em volta dos meus pes e depois ficava de pe, pedindo colo.

Apesar de ser muito companheiro, nunca foi um animal muito de ficar grudado. Sempre foi independente, comia, bebia, fazia suas coisinhas sem encher o saco. Ate para ganhar carinho e colo ficava pouco tempo, ele era bem na dele.

Chegou a ficar doente algumas vezes na vida, mas nada muito grande. Exceto quando sai da casa dos meus pais e deixei ele la por uns dias, ele parou de comer, beber e de se mexer. Nao acharam nenhuma doenca, e quando eu voltei para busca-lo, ele voltou a fazer tudo de novo: era saudade.

Recentemente ele estava com uns probleminhas nos olhos, nada grave. Ja imaginavamos que as doencas iam comecar a aparecer, ja que 7 anos para um coelho eh muuuuita coisa.
Eu sempre imaginei que a idade dos coelhos sao parecidas com a dos humanos... um coelho vive cerca de 8 anos. Uma pessoa vive cerca de 80 anos, logo cada 1 ano coelhal, da 10 anos humanos.

Desde os 5 ou 6 anos dele, ele ja nao era mais tao ativo, nao curtia mais atividades brutas como antes (como ser colocado de ponta cabeca). Ele ficava meio "desconjuntado".
O problema do olho perdurou ate que comecou a sair pus, e nos ficamos preocupados. Fizemos tratamento, estava melhorando, ate que surgiu um pedaco de carne pra fora do olho.
Procuramos um especialista e era um tumor. Tinha que operar.

Ele morreu no finalzinho da cirurgia, o medico disse que num momento ele estava la, e no outro ele simplesmente desligou. Tentaram de tudo pra ele voltar, mas a hora dele chegou.
Ele morreu dormindo, sem a dor que o estava acompanhando ha algumas semanas.
Estava lindo na mesinha, parecia um coelho dormindo e nao um coelho morto.

O medico disse que o tumor era muito maior do que o esperado, e que certamente era cancer.
Por fim, a natureza sempre sabe o que faz... os seres morrem antes de ficar insuportavel.

E entao, meu coelhinho Negao, que era tao fofo que parecia feito de nuvem, agora esta num lugar melhor. Dizem que os coelhos vao para um lugar chamado Rainbow, onde ha um eterno arco iris, sol e grama. E eles sao felizes la.
Gosto de pensar que meu coelho esta la, correndo pela grama e depois tomando agua na sombra pra se refrescar, deitado embaixo de uma arvore.

Ele foi um bom coelho, e disso sempre seremos gratos.