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Todos os males do mundo

Era uma vez uma caixa. Eu estava mexendo numas coisas e acho essa caixa, não a reconheço e fico curiosa, pego pra mim, mas não a abro.
Então, sou teleportada para outro lugar... um lugar etéreo, sem chão, sem céu, onde não posso enxergar mais nada além de mim e da caixa. Aqui, ao invés de uma caixinha pequena e decorada, eu vejo uma caixa enorme, magnanima.
E da caixa sai uma voz, não necessariamente audível, mas uma voz que fala comigo dentro da minha cabeça.

- Você encontrou a caixa que contém todos os males do mundo. Ela é sua agora, e é sua também a escolha de quem vai receber esse mal. Ao abri-la, você deverá escolher o quanto desse mal é seu, e o quanto é do mundo todo.

Por um momento fico intrigada com tudo isso, e quero começar do básico e pergunto onde estou.

- Você está fora do espaço tempo. E aqui você ficará até fazer sua escolha sobre o conteúdo da caixa.

- Quem é você?

- Sou a personificação da caixa em sua mente.

- E se eu não escolher nada?

- Ficará aqui para sempre.

Vejo que tem uma falha nessa história e arrisco:

- A caixa ainda está fechada, então não preciso escolher o destino dela.

- Realmente, você não precisa, mas ficará aqui com a caixa até abri-la e então liberar seu conteúdo.

- Se eu abrir a caixa tenho como consequência a responsabilidade de decidir sobre o mal do mundo, certo?

- Sim.

- Se eu não abri-la, então, não tenho dever nenhum sobre isso.

- Sim.

- Então, porque devo ficar nesse lugar?

- Pois esse é o lugar que pertence a caixa, e consequentemente, o dono da caixa. Ao abri-la, você se liberta da condição de dona da caixa e de responsável por todos os males do mundo.

- Você é a caixa de Pandora?

- Pandora foi uma das suas predecessoras sim, provavelmente a mais famosa. Mas não sou mais a caixa dela, agora sou sua.

- Quero abrir mão da condição de dona da caixa.

- Você não pode fazer isso, pois é a única pessoa aqui, só há você e a caixa, então ela deve ser sua.

- Então eu me recuso a abri-la e espalhar o mal que tem nela.

- Se não abrir, ficará presa aqui por toda a eternidade.

- A caixa não é justa. Se eu não escolho o destino de seu conteúdo, fico aqui para sempre presa, ou seja, é como se eu tivesse escolhido algum mal para mim também, embora eu tenha me recusado a fazer a escolha.

- A justiça não faz parte das atribuições da caixa. A regra é simples: você é responsável pelo conteúdo da caixa ao abri-la, e enquanto não abrir não pode voltar a sua vida normal.

- Você está tentando jogar a sua própria responsabilidade para mim. Se a única opção que você me dá é libertar o mal, a culpa dos males serem libertos é sua, e não minha que sou sua refém.

- Você pode escolher ficar com todo o mal para você, se é isso que te incomoda.

- Se eu escolher ficar com todo o mal, terei minha vida arruinada e nenhum agradecimento, pois a natureza humana é egoísta, e ninguém se importará com meu sofrimento. Não vejo como uma escolha viável.

- Então jogue o mal para o resto do mundo, afinal você mesmo diz que ninguém se importará com você.

- Se eu  liberar o mal para o mundo, ele desmoronará a minha volta, e todas as pessoas que conheço e amo estarão sofrendo. Carregarei para sempre a culpa de que poderia ter feito algo para amenizar o sofrimento deles, mas escolhi ser egoísta.

- Você sabe as consequências de sua escolha, basta escolher.

- Todas as consequências dessa escolha terível que você imputa a mim é o sofrimento. Se pego os males, eu sofro. Se libero os males, eu sofro pelos outros. Se eu fico aqui e me recuso a fazer a escolha, acabo sofrendo por toda a eternidade, sem ter direito a minha vida.

A caixa fica muda. Eu começo a pensar que deve existir uma possibilidade de sair dessa situação que não estou enxergando. Depois de algum tempo - quanto tempo? horas? dias? anos? aqui o tempo não existe e tudo parece eterno - decido como agir. Até então a caixa fez as regras, agora é minha vez de tomar as rédeas da situação.

- Já fiz minha escolha.

- Pode falar.

- Não abrirei a caixa, nunca, jamais, em hipótese alguma.

- Então você ficará eternamente aqui até resolver abrir a caixa.

- Já escolhi que não vou abrir a caixa, essa é a decisão final. E ao menos que VOCÊ não queira ficar aqui por toda a eternidade sem ser aberta, segurando todos os males do mundo sozinha, podemos negociar uma outra opção além daquelas que você já me apresentou.

- Não há outra opção. O dono da caixa deve abri-la e escolher o destino de seu conteúdo, isso é inegociável.

- Mas você pode transitar entre isso aqui e o mundo real?

- Sim.

- E você quer ser aberta?

- Sim.

- Pois então tenho uma proposta para você.

- Fale.

- Não vou abrir a caixa. Porém, você quer ser aberta, e eu quero voltar a minha vida normal. Você, sendo minha, virá comigo, seguirei minha vida, guardarei você. Um dia, em menos de 80 anos, morrerei, pois o ser humano raramente vive mais do que um centenário. Meus pertences automaticamente passarão a pertencer a outra pessoa. Você terá uma chance de ser aberta, uma chance maior de ser aberta em menos de 100 anos do que se ficar aqui comigo por toda a eternidade. Essa é a minha proposta, é pegar ou largar. Qualquer outra opção é, como você mesma diz, inegociável.

- Aceito.

Fim.

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